Feel it, Breath it. Or die trying

Cabelos ao vento, grande sorriso no rosto. Era assim que Eva descrevia a sensação de voar em um dragão. Liberdade. Em sua opinião, você não viveu até voar em uma daquelas criaturas magníficas. Tudo que ela mais desejava era soltar os cabelos e aproveitar aquela sensação, mas aquilo não era um passeio. Era um treino sério, com outros cavaleiros de dragão assistindo; e alguns domadores, é claro. O treino era bem simples, na verdade: basicamente um duelo entre cavaleiros, sem o uso de fato dos dragões. Apenas o cavaleiro e sua varinha.

Um sorriso desafiador se abriu nos lábios da Mikhail enquanto ela o serva a oponente. A varinha de aveleira estava firme em sua mão esquerda, que apontava quase que levianamente na direção da mulher a sua frente. Se muitos nos conhecessem Eva, diriam por seu olhar e compostura que estava apenas brincando com Hellen, e talvez estivesse mesmo. A inglesa estava naquele ramo a seis anos, e poderia afirmar com toda a certeza que poderia vencer aquele duelo com facilidade. Sua experiência e treinos quando criança lhe davam segurança e estratégias rápidas — que na maioria das vezes se provava inútil em cima de um dragão, mas isso não impedia seu sucesso.

A outra decidiu que estava farta de esperar, e levianamente avançou com seu dragão, deixando a varinha em punho e apontando diretamente para Eva — Estupefaça! — ela disse alto, mas apenas inclinando o corpo rapidamente para a direita, Balder desviou, e o feitiço bateu inofensivo contra as escamas resistentes. A loira e seu dragão eram como um só. Devido aos anos ao lado da Mikhail, a criatura tinha desenvolvido manobras que seriam exatamente o que ela precisaria em determinadas situações, como aquela. Não era preciso que Eva fizesse muita coisa para que ele entendesse o que ela queria. Era uma longa amizade, cujos treinos foram intensos o suficiente para que ambos se recusassem a ir com outros.

E vendo aquilo, Balder simplesmente ficou de lado, passando pela esquerda de Hellen, que parecia um pouco surpresa pela cara de pau da loira, mas não se deixou abater, gritando: — Expelliarmus — mas Eva apenas rebateu rapidamente usando o contra-feitiço: commoror virga. Com o sorriso se alargando, Mikhail deitou mais contra a sela do dragão, deixando o campo acerto de Hellen ainda menor, mas isso não significa que aconteceria o mesmo para a mais velha, que de forma não verbal, lançou um avis, libertando 3 pombos de sua varinha — Oppugno! — e com esse, controlou os pássaros começaram a atacar a mais nova. Aproveitando a chance em que a menina tentava lembrar o contra-feitiço, Eva riu baixo, lançando um simples travalingua, que graças a Merlin, não impediu que ela usasse meio atrapalha feitiços não verbais.

O olhar que lançara para a loira foi meio irritado, mas isso não abalou da Mikhail, que deu de ombros e mergulhou Balder. Sua oponente não ficou para trás, lançando alguns outros feitiços que por algum milagre não acertavam a mais velha. Ou ela era extremamente sortuda, ou Hellen tinha uma mira de merda, ou simplesmente seu dragão se movia suavemente de um lado para o outro, impedindo que os feitiços a atingissem. Puxando as rédeas de couro que tinha na destra, a criatura deu uma guinada para cima, mas não para voar cada vez mais alto, e sim para ficar de cabeça para baixo, que foi instante que Eva usou para lançar um Expelliarmus em Hellen.

As duas moveram seus dragões para baixo, afim de pousar na arena em que outro cavaleiros estavam. Aquilo de fato fora uma brincadeira de criança, tanto pelo uso de azarações quanto pelo fato de que ambas poderiam lançar feitiços muito mais rápido que aquilo. Mas já estavam no meio da tarde, debaixo do sol mais quente do dia. Não precisavam se desgastar mais do que aquilo. Em duelos reais, o uso de feitiços mais violentos, e claro, a luta entre os próprios dragões eram de praxe, e era aquele tipo que contava entre as vitórias pessoais, mesmo que irritasse um pouco perder pra algo tão fácil.

Ao desmontar de Balder, Eva respirou fundo, passando a mãos enluvada pelas escamas grossas do dragão. Ele não era exatamente seu, mas a loira gostava de pensar que eles tinham um vínculo. A criatura selvagem nunca se deixaria virar bichinho de estimação de um mero bruxo, mas isso não impedia que nascesse a lealdade entre eles, ou pelo menos era isso que Mikhail achava que existia entre eles: um forte laço de lealdade inigualável. Alguns outros cavaleiros vieram rir um pouco do desempenho de ambas no seu, que acabou por todos relaxarem. A loira era uma pessoa fácil de se arrancar sorrisos, mas na maioria das vezes, ficava com a expressão séria, querendo manter um tom de formalidade. E foi justamente aquela face que Eva assumiu ao ouvir a voz do chefe da Divisão de Dragões, que aparecera de supetão ali. Era comum que ele fizesse isso, já estavam todos acostumados, mas algo na mais velha não gostava. Parecia mesmo era que Aiden queria pega-los fazendo algo errado, o que, pelo menos próximo a Eva, raramente faziam.

Acenando respeitosamente para o superior, a mulher continuou segurando as rédeas de Balder, que empurrou-a ligeiramente para lado como se dissesse: "dei um show lá em cima, mas cadê meu lanche?" o que fez a loira rir com o pensamento, fazendo ela acenar para o domador mais próximo, que rapidamente levou a criatura para os estábulos — Observando o treino rápido, senhor Hughes? — perguntou com uma sobrancelha erguida, inclinando a cabeça muito levemente para a direita.

A expressão que o chefe da Divisão dos Dragões sempre fazia ao falar com Eva, fazia com que ela risse mentalmente. Era como se o homem se sentisse que ela era uma ameaça ou coisa assim, não entendia de fato. De qualquer forma, ouvia a fala do maior sem deixar de encarar seus olhos, algo que tinha aprendido com o pai. "Nunca quebre o contato visual", dizia ele, "Você pode descobrir coisas que nunca imaginou, além de não demonstrar fraqueza". Aquilo, é claro, era referido as criaturas mágicas, mas durante os anos que passou estudando magizoologia, descobriu que o conselho também funcionava com humanos. Não era atoa que quando alguém mentia, não ousava encara-la. Poderia até mesmo ter uma expressão gentil na maioria das vezes, mas seus olhos eram de um castanho extremamente frio.

Um sorriso se formou em seu rosto ao ouvir o elogio, e Eva agradeceu com um aceno, sem precisar de palavras. Era bom ter seu trabalho árduo reconhecido, mesmo que poucas vezes. Mas o maior orgulho da cavaleira era saber que tinha se tornado uma das poucas pessoas a permanecer tanto tempo no cargo; prova suficiente do quão boa era em seu trabalho — Peço desculpas pelo inconveniente. Estamos treinando desde as 08H com alguns poucos descansos, e achei que algo mais fácil deixaria o ambiente mais leve. Caso discorde, não irá se repetir — sempre tão polida. Mikhail as vezes queria bater em si mesma por ser tão condescendente, mas era algo que estava entranhado em seu corpo. Sempre agradável e flexível, muitas vezes dita como puxa saco, mas era simplesmente uma forma que encontrou na infância para se evitar problemas desnecessários — Tenho de concordar. O inimigo é inteligente e não desiste facilmente. Novamente, peço desculpas. Meu erro não irá se repetir.

Eva se sentia um tanto quanto desconfortável, mas não demonstrou, continuando com a expressão ligeiramente sorridente. Ela sabia porque ele se preocupava, mas ainda sim, tanto os cavaleiros quanto os dragões precisam de algo mais saudável as vezes. Obviamente não diria aquilo ali, não na frente de todos. Criaria murmúrios indesejáveis, e talvez criasse na cabeça de Aiden que ela estivesse começando a desejar sei cargo. Era fácil imaginar coisas assim quando se vinha de uma família tão antiga e famosa quanto os Mikhail, ainda que ela não desejasse um cargo alto como o dele. Estava satisfeita como uma cavaleira respeita.

— Posso falar com você por um instante? — perguntou um tom mais baixo, erguendo uma sobrancelha enquanto começava a retirar as luvas de couro. Suas mãos estavam avermelhadas e suadas devido ao calor e a adrenalina do rápido duelo, e pela maneira como a palmas estava ardendo, a loira poderia jurar que alguns novos calos se formavam em suas mãos devido a força que segurava a varinha e a rédea e a fricção do couro com a derme sensível. Massageando o ponto machucado, apontando com a cabeça para o mesmo corredor de onde ele viera. Ela não se importava se o diálogo fosse em algum corredor ou na sala. Ou se ele mandaria os demais saírem da arena. Apenas queria trocar algumas ideias. Já eram íntimos o suficiente ao menos para aquilo, e os anos trabalhando juntos apenas reforçava aquilo. Eva ousava dizer que era tão experiente quanto o homem a sua frente, independente de ele ter ou não alguns anos a mais a sua frente. Ela tinha se esforçado para chegar onde estava, e sua formação em magizoologia lhe dava — ao menos em sua cabeça —, o direito de opinar sobre algumas coisas.

As palavras de Aiden eram as de um líder que não podia fazer muita coisa. Os cavaleiros de dragões, por mais que muito populares, não eram tão solícitos quanto os aurores, por mais que seu trabalho fosse basicamente o mesmo. Ainda que comensais ataquem por todo o país, Eva entendia que não tinha sentido chamar dragões para a briga. Eles eram selvagens, grandes demais, e facilmente poderia quebrar lugares. E claro, cuspiam fogo. Ninguém era imune ao fogo. Assim que Clouder a cumprimentou mais uma vez, Mikhail sorriu abertamente, imitando o dragão alfa em gesto de respeito. Como o chefe, ela estancou no lugar, apenas semicerrando os olhos perante a poeira que subiu, meneando a cabeça em um aceno negativo enquanto ria baixo.

— Aqui está bom. Não é como se fosse um assunto super secreto — ela virou o corpo para ficar de frente para Hughes mais uma vez, suspirando — Eu juro que eu entendo o seu ponto, mas eles também precisam de um pouco de facilidade, sabe. Não se cria um vínculo com um dragão apenas sendo duro com ele — Eva abriu a bolsinha que sempre amarrava na roupa de treino, colocando as luvas dentro. Um pequeno vislumbre da bagunça que estava lá dentro a fez imaginar seu pai tendo um infarto. Imaginou se o feitiço de expansão tinha sido uma boa ideia. Tinha que arrumar aquilo ao chegar em casa. Balançando a cabeça, voltou ao foco, voltando os olhos castanhos a Aiden.

— E — ela cruzou os braços — Você deveria criar treinos mais variados. Sim, duelos entre cavaleiros comensais, isso assumindo que eles conseguiram doma-los, vão ocorrer, mas ambos cavaleiros e dragões precisam aprender a se virar em lugares extremos. Espaços pequenos, alvos muito rápidos. Sem contar que os novatos ficam tão excitados que isso afeta os dragões. Não sei se viu o treino anterior, mas um dos nossos quase foi atingido por um jato de fogo. Graças a Merlin ele era um dos antigos. — se sentia estranha ao meio que dar a bronca no chefe, mas era mais conselhos que qualquer outra coisa. Esperava que Hughes entendesse isso e fosse suficientemente profissional para aceitar a dica.

Eva observou a reação de Aiden com atenção, tentando captar qualquer coisa, qualquer lampejo em seus olhos, mas nada. Assim como ela, o homem sabia bem esconder e fingir sentimentos, e não sabia se ficava satisfeita de alguém ser tão bom quanto ela ou irritada por não saber o que ele pensava. Seus olhos castanhos nunca pararam de encarar os do Hughes, ainda procurando qualquer coisa.

A loira umedeceu os lábios róseos, piscando levemente surpresa com as palavras do mais velho. Formou uma expressão surpresa, juntando as sobrancelhas. Mikhail abriu a boca para dizer algo, mas desistiu. Então tentou de novo: — Eu não... Eu não pensei que me deixaria como a encarregada — Eva quase ouvia as engrenagens se movendo em sua cabeça, tentando imaginar porque ele faria aquilo. A mulher não podia negar que a ideia era excelente — ela mesma tinha pensado, afinal —, mas não imaginou que seria a encarregada. Aiden não parecia confiar plenamente em seus cavaleiros, muito menos em Eva, que era uma das poucas a permanecer a quase uma década no cargo. E a loira confiava nele menos ainda, devido a criação mesquinha de seu pai.

Suas teorias eram cada vez mais loucas, mas uma se destacou entre as demais. A ideia da loira era um tanto quanto arriscada. Poderia dar muito certo, ou poderia dar muito errado. Seria uma mudança de rotina para os cavaleiros, e talvez Aiden não gostasse de mudanças. Sim, se aquilo desse errado, Eva estaria na liderança. "A ideia foi dela". Ela abriu um sorriso maroto mentalmente, mas não mudou sua expressão. Por fim, ela deu de ombros, escondendo as mãos dentro dos bolsos da calça que usava por baixo das proteções — Se você está oferecendo a mim, tenho certeza de que acha que sou capaz, então não vou questionar. — a loira respirou fundo, abrindo um pequeno sorriso, um grato — Obrigada pela oportunidade, de qualquer forma. Prometo não decepcionar. Creio que próxima semana eu já terei alguns esboços e trarei para você ver. — sua mente voou entre as ideias que já tinha tido anteriormente. Precisaria de algumas dúzias de domadores, mas nada que fosse desfalcar a equipe — Temos mais alguma coisa a discutir? — perguntou com uma sobrancelha erguida. Não tinha mais nada para falar com ele, mas isso não impedia que Aiden fosse falar com ela.