Charles correu do abrigo, onde estivera protegido da chuva e do frio, até a entrada da loja Dedos de Mel. A chuva havia começado logo depois do jovem sair de casa, seu lindo passeio por Hogsmead tornou-se um pequeno pesadelo. Assim que avançou pela porta de entrada o sininho tocou, retirou o capuz da cabeça e sentiu algumas pequenas gotículas de água cair em seus cabelos. As afastou com a mão e retirou a jaqueta molhada, colocando-a em um cabideiro para os usuários da loja. O garoto esfregou as mãos, o ambiente ali era bem mais aconchegante que as gotas e o vento lá fora. Ele olhou pela vitrine, havia poucas pessoas no vilarejo, por causa da chuva e do horário, constatou o garoto ao olhar o relógio de tom escuro em seu pulso direito. A loja parecia quase vazia, Charles sorriu para a senhora ruiva que estava atrás do balcão e andou entre as prateleiras de doces.

Nos últimos quatro anos, Harold, fugia de casa e acabava ali ou então em qualquer uma de suas lojas preferidas. Depois que ingressou em Hogwarts ele passava pela loja sempre que lhe era permitido, não que a vontade de burlar as regras não fosse grande. Mas Charles já era um Furtwängler incomum o suficiente para causar mais problemas. A distração do garoto em um ambiente daqueles era óbvia, já com seus quatorze anos concluídos ele tentava ser o mais normal possível e isso incluía agir igual um idiota em frente a tantos doces. Infelizmente era impossível o garoto não torcer o nariz para algumas guloseimas e manter a educação, com as mãos nos bolsos e os cabelos e vestes bem arrumados, Charles anunciava que era um garoto de alto nascimento. Aquilo não fazia diferença alguma para ele. Mas estava ali, incrustrado nele, além, é claro, caso precisasse voltar correndo para casa não teria que se preocupar em dar desculpas por estar mal vestido. Os dedos ossudos alçaram uma caixa de Bombons Explosivos, incrivelmente saborosos, mas um terror sempre que explodiam dentro da mochila ou entre as roupas. Um sorriso maroto brotou nos lábios do jovem.

Os olhos claros observavam a ilustração tão conhecida da caixa, andando sem olhar para onde estava indo, Charles, acabou por bater em alguma coisa ou alguém. Seus reflexos foram rápidos. Ele viu madeixas loiras flutuando no ar e um grito fino, mas não escandaloso. Segurou firme a mão pálida que havia sido erguida e pode puxar a garota loira em tempo, antes que ela destruísse uma pilha de Chocobolas. - Desculpe-me, senhorita. Eu odiaria derrubá-la... - Falou polidamente, os olhos analisando a jovem a sua frente. Aparentemente com a mesma idade que ele. - Você estragaria todas as Chocobolas! - Completou a frase que havia deixado morrer. O tom polido já não existia mais, havia sido substituído por preocupação. Óbvio quer era uma preocupação com as Chocobolas. Charles sorriu e estendeu a mão livre para a garota.  - Meu nome é Charles, Charles Furtwängler! -  O genuíno sorriso que herdou da família estava lá e também o brilho nos olhos, ele havia sim se preocupado com o estado da garota, mas uma análise rápida – sem invadir os pensamentos dela – parecia que ela estava perfeitamente bem.

Lyudvigovitch. Droga. Ela era parente da professora de Astronomia? Mesmo parecendo perdido e sem jeito Charles não anunciou isso em seu rosto. Colocou um sorriso singelo nos lábios e observou a menina, os cabelos loiros, os olhos azuis, as bochechas rosadas. Tudo fazia um conjunto perfeito e harmonioso, seja lá quem for os pais dessa menina sabiam o que estavam fazendo. Ironizou os pensamentos de Harold.  Ele largou a mão quente da garota contra sua vontade, mesmo que seu consciente falasse para larga-la uma parte de si, que cresci mais e mais nos últimos meses, pedia para segurar mais um pouco os dedos finos dela entre os dele. - Você estragaria um dos melhores doces dessa loja e estaria mais preocupada com suas roupas? - O garoto brincou. Uma sobrancelha estava erguida anunciando sua indignação com a situação, mesmo que fosse falsa. Ele sabia a importância que as mulheres davam para suas roupas e o cabelo, ele havia crescido entre mulheres, até ele próprio as vezes irritava-se com o vento ou algo em suas roupas.

Charles não controlou-se, quando menos percebeu já encarava os olhos da garota e segundos depois observava seus pensamentos. Ele via tudo com muita clareza, ela adentrando a loja e reclamando do sobretudo que estava molhado por causa da chuva, o pensamento fixo em uma dieta e não sair dela. Nesse momento ele sorriu, segurou-se para não gargalhar. Aquela garota era magra, caso perdesse mais alguma coisa ela sumiria. Ele viu a loira escolher os doces, ajudar a criança e bater a cabeça. Foi naquele momento que Charles percebeu o que estava fazendo, por sorte não havia passado muito tempo. A invasão da privacidade de Isabelle havia sido rápida, mas deixou Charles com o olhar vago por algum tempo. Ele captou as últimas palavras da resposta da garota, esfregou os olhos como quem não quer nada e esboçou um sorriso cativante. Ele não ousou responder a menina, apenas olhou para ela e notou – ou fingiu notar, já que sabia que a loira havia batido a cabeça – estreitando os olhos. - Você está bem? Parece um pouco tonta... - Falou o garoto com dúvida. Uma pontada verdadeira de preocupação começou a crescer dentro de Harold. Ele colocou a mão, involuntariamente, no ombro de Isabelle e aproximou-se dela. Ele podia sentir o perfume dela, era leve. A respiração falhou por alguns segundos até volto o normal, Charles afastou-se um passo da garota e enfiou sua mão no bolso da calça. Por alguns segundo a prateleira de doces atrás da garota parecia muito interessante. Ele sorriu de canto. - Isso é emoção por ver tantos doces? - Aquela havia sido a tentativa catastrófica de Charles para arrumar sua aproximação e o questionamento sobre o bem estar da garota.

A gargalhada que partiu dos lábios finos de Charles foi leve. Para ele era engraçado o nojo da menina, mas a preocupação ainda encontrava-se ali. Ele percebeu a tontura dela e naquele momento desejava que a garota não desmaiasse ali com ele. ”o que eu farei se ela desmaiar?” perguntou uma pequena parte inocente e boba no menino. ”deixe-a jogada no chão e desapareça da loja!” Charles maneou a cabeça ponderando as ideias que sua cabeça juvenil lhe dava. Sentiu-se envergonhado quando a jovem percebeu seu olhar vago, os ombros altivos encolheram-se, mas rapidamente Harold voltou a sua postura original.

- Você não comeu nada o dia todo? Qual seu problema? Olha só o seu tamanho, você não é nenhuma criancinha para esquecer de comer! - Sim, o jovem Furtwängler usava um tom de voz mandão. Charles não tinha intenção de dar uma bronca na menina ali no meio da loja, mas havia ficado tão exasperado com a confirmação dela que queria sacudi-la até ela se desmanchar em meio as suas mãos. Percebeu que havia chamado a atenção da senhora ruiva do caixa, então acalmou-se e aproximou-se da menina. Passou a mão no rosto, um vinco formava-se em sua testa e preocupação estava estampada no rosto do jovem lufano.

Charles ajudou a menina a sentar-se no chão, na verdade ele guiou todo o peso dela até o piso frio. Caso contrário ela teria caído igual um saco de mandrágoras. Ele sabia que precisava dar alguma coisa para ela comer, mas doces não eram uma boa ideia naquele momento. Infelizmente eram a única coisa que possuíam, ele a viu pegar um pacote de bombas de chocolate. Charles arrancou o pacote da mão da menina e o foi ágil na ação de pegar uma barra de chocolate amargo. - Acho que isso aqui vai ajudar mais! - Ele tentava esconder o nervosismo com um mínimo sorriso no rosto. Maldição! Charles quebrou um pedaço do chocolate e o deu para loira, os olhos azuis dele a esquadrinhavam. Controlava-se para não invadir a mente dela mais uma vez ou então para não puxa-la pelas orelhas até em casa. Ele forçou mais um pedaço, Isabelle parecia receosa em comer. - Eu não sei qual problema você tem com o seu corpo, mas agora você precisa esquecer isso e comer. - Ele tentava, ao máximo, não entrar em desespero. O estômago encontrava-se revoltado, a garganta seca e nos olhos a aflição era óbvia. - É melhor levar você para casa! - Harold tentava ser delicado, ele estava ajoelhado em frente a menina. A mão direta repousada na cintura dela, sem ter noção de seus atos os dedos do menino começaram a massagear a cintura da garota. Ele engoliu em seco. Afastou e colocou-se de pé, ela parecia tão frágil naquela situação. Furtwängler estendeu a mão para a garota. - Vamos! - Era um convite amistoso, ele tentava controlar toda aquela aflição dentro dele. Pensava agora como havia sido infantil, ela estava passando mal e ele a xingava. Não puniu-se por seus atos, mal a conhecia não deveria ter tanta simpatia por uma loira estranha. Umedeceu os lábios enquanto observava as feições de Isabelle.

Os orbes azuis reviraram-se, o garoto bufou irritado com todas as desculpas que Isabelle dava. Ela deveria ter pensado na mãe antes de ficar o dia todo sem comer e também tirar de seus pensamentos a opção dele a deixa-la ali sozinha. Com um maneio de cabeça, Charles, responde ao agradecimento da garota. Umedeceu os lábios enquanto a ouvia falar, não deu muita bola para aquilo. O espaço entre eles era pequeno novamente, a tentação de beija-la consumia Charles como fogo vivo, mas não deveria arriscar. A garota poderia estar indefesa e fraca, mas isso não dava ao lufano a liberdade de aproveitar-se dela então ele concentrou-se em qualquer outra coisa. Pagar a conta foi uma de suas ideias brilhantes, a outra era levar a garota para casa. - Deixa que eu pago, volto logo! - Ele tomou o chocolate que a menina segurava, assim como as bombas de chocolate, a tortinha de abóbora e os feijõezinhos de todos os sabores e seus diabinhos de pimenta. Sorriu para a senhora do balcão e pagou os doces.

Isabelle ainda estava no mesmo lugar, Harold a olhou. Um sorriso gentil apareceu nos lábios do garoto, com um gesto delicado alcançou uma das sacolas para a garota. - Não me venha com nenhuma desculpa, vamos lá, vou acompanhar você até em casa! - Furtwängler não tinha muita noção do porquê de suas ações, mas no fundo sabia que não poderia deixar a garota ir sozinha. Ignorou todos os protestos da loira, já encontrava-se na porta da loja quando virou-se para ela novamente. - Olha, não vou fazer nada de cruel com você. Só vou garantir que você não morra no caminho até a sua casa. - Um tom brincalhão pairava no ar, Charles queria transformar a situação em algo agradável e estava conseguindo. A loira sorriu. Abriu a porta educadamente para Isabelle, logo após a garota passar Charles a seguiu.